Meu filhote está sendo alfabetizado e só agora ele está começando a entender a questão dos números, por isso ele fica muito confuso quanto ao tempo ainda. Ontem, enquanto o pai preparava o jantar, ele perguntou:
_ Pai, quando eu for grande vai ser que ano?
O pai respondeu que seria por volta de 2030. Ele, confuso, perguntou por quê. O pai não entendeu a dúvida e, então, eu tentei esclarecer:
_ É que na cabecinha dele, quando ele for adulto o ano já não será mais 20XX porque nós quando éramos crianças o ano era 19XX.
A conversa seguiu para a sala e meu filhote confirmou:
_ Eu pensei que quando eu fosse adulto seria o ano três mil e alguma coisa.
Daí eu disse, tentando deixar a matemática mais clara:
_ O papai nasceu em 1976. Estamos em 2015. O papai tem 39 anos. Vamos fazer as contas: 1976 + 39 = 2015. Mudou para 20XX porque nós nascemos já no final do milênio, Você não. Você nasceu logo no comecinho, em 2008. Vai demorar muito para virar para o ano 3000. Nenhum de nós vai estar vivo no ano 3000.
Neste momento uma ideia assustadora acabava de se instalar em sua cabecinha. Ele, num misto de ceticismo, curiosidade e medo tenta confirmar:
_ Nenhum de nós? Nem você, nem o vovô, a vovó, ninguém?
Confirmamos:
_ Sim! Ninguém que a gente conhece vai estar vivo. É muito tempo. O ser humano vive, em média, 80 anos. Alguns podem chegar até uns 120 anos, mas são bem poucos.
O semblante dele mudou completamente. Foi como se de repente toda a alegria se esvaísse de seu rosto. Ele abaixou a cabeça e veio se aninhar em nossos colos. Ficou quietinho. Depois levantou e foi ao banheiro. Notei que sobre minha perna tinha umas gotas. Cochichei com meu marido que achava que ele tinha ficado chocado com a conversa.
Quando ele voltou para à sala, falou meio choroso:
_ Quanto eu penso nessas coisas de morte eu não consigo mais parar.
Logo o acolhemos e começamos a consolá-lo. Eu disse:
_ Meu filho, você está triste porque ficou com medo da mamãe e do papai morrerem, certo?
Ele confirmou com a cabeça e lágrimas nos olhos. Continuei:
_ Calma, meu filho. Você está se precipitando. Nós estamos vivos, não estamos?
Ele novamente balança a cabeça afirmativamente.
_ Então, não há motivos para você chorar nossa morte. Estamos aqui com você. estamos todos bem e temos muito que viver ainda.
E o pai apresentou um excelente argumento:
_ Olha só pro papai. Estou com 39 anos, já sou grandão e meu pai e minha mãe, seus avós, estão vivos ainda.
Eu acrescentei:
_ E o pai e a mãe da vovó, seus bisavós, também estão vivos! Meio capenguinhas, é fato, mas estão conosco.
Depois desses exemplos, ele pareceu relaxar. Parou de chorar e logo voltou para suas brincadeiras de criança.
Achei que o assunto já havia sido esquecido, mas hoje durante o almoço, ele me diz:
_ Mãe, o vovô falou que viu uma pessoa falar na TV que quem fica em pé vive mais.
Eu respondi:
_ Faz sentido. Quem fica em pé é geralmente mais ativo, anda mais, se exercita. O movimento é importante para nos manter saudáveis. Por isso é bom praticar exercícios com regularidade.
Daí ele teve a grande ideia:
_ Mãe, então nós vamos fazer o seguinte: vamos acordar mais cedo. Vamos caminhar e depois vamos fazer yoga. Todos os dias! Eu e você. E o papai também! Assim a gente vai viver mais!
Eu concordei. Disse que aquela era uma excelente ideia. Agora vou ter de dar um jeito de cumprir com o combinado. E ai de mim que não me mantenha viva até aos, pelo menos, 120 anos!
Espero que a vida colabore e não nos leve antes que meu filhote esteja adulto e forte o suficiente para suportar esta dor inevitável. E espero também que a natureza siga seu curso natural e nos leve antes de levar nosso filho, porque eu, certamente, nunca serei adulta o suficiente ou forte o suficiente para suportar tamanha dor (e nem faço questão de ser).