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Alfredinho era um cara comum. Classe média. Seus pais não lhe deixaram faltar nada. Alfredinho estudou, cresceu e foi trabalhar, mas sem deixar o conforto do lar de seus pais, afinal, já que não pretende casar, vai sair de casa para quê? Alfredinho dispunha de tempo livre. Estava entediado. Tinha tudo muito fácil! Nunca precisou se esforçar para conseguir o que queria. Para preencher o tempo, fazia o que todo cara comum, sem responsabilidades com moradia ou pessoas, faz: jogava video games e ficava fuçando a Internet. Um dia teve uma idéia brilhante: “vou fazer vídeos para a Internet“. E assim fez. Abriu um canal no qual fala sobre suas opiniões sobre diversos assuntos. Não imaginava que teria várias pessoas interessadas em ouvir o que ele dizia. Vieram os primeiros inscritos. Os pedidos de amizade nas mídias sociais. Os elogios e os xingamentos. E o canal só crescia. Alfredinho começou a se sentir importante (tipo “Vital na sua moto“). Com tanta gente dizendo que ele era “fodástico”, só poderia ser verdade, não é mesmo? Começou a acreditar que era o tal. E daí o canal, que começou como algo despretensioso e espontâneo, passou a ser um favor que Vossa Majestade O Alfredinho concederia aqueles que decidissem pratrociná-lo. Abriu uma conta no Patreon e definiu os níveis de privilégios que concederia aos seus súditos, digo, “patroes”. A quem contribuísse com o mínimo mensal, a sua gratidão, mas aqueles que contribuíssem com o máximo teria a honra de falar uma vez por semana com Vossa Majestade por vídeo conferência. Entre outros mimos como escolher o assunto do próximo vídeo ou jogar uma partida de vídeo game online. Ou o patrocínio ou ele não perderia seu precioso tempo fazendo o que ele já fazia antes sem receber nada de ninguém. Pois “$ó mesmo um idiota deixaria de se dedicar a um trabalho remunerado para fazer videos de graça para um bando de desconhecidos que dizem achá-lo o rei da cocada preta“.
Alfredinho é um personagem fictício, mas a sua história não está muito distante da realidade. O Patreon existe e é uma ideia genial que incentiva seus usuários a patrocinar os projetos que eles julgarem valer a pena. E há muitos projetos de qualidade lá que realmente valem o investimento de quem quer e pode contribuir. A minha crítica aqui é apenas a inúmeros casos como o de Alfredinho que eu vi por lá. E o que é pior, tem gente que apoia os Alfredinhos em detrimento de tantos outros projetos mais úteis para a sociedade. O que demonstra que o discurso de igualdade social que o povo tanto profere é dá boca para fora porque em qualquer oportunidade que tem de se diferenciar dos outros tendo ou concedendo privilégios, não pensam duas vezes em reproduzir o sistema discriminatório que por vezes criticam. Como citado no livro ANIMAL FARM de George Orwell: “Todos são iguais perante a Lei, mas alguns são mais iguais que os outros.”
Problema nenhum em dar dinheiro para alguém fazer o que gosta, já que o dinheiro é seu e você faz dele o que bem entender, mas realmente me entristece ver que as pessoas não percebem que estão reproduzindo o comportamento dos politiqueiros profissionais. Que diferença há entre o Alfredinho que vende privilégios e o político que dá cestas básicas pensando nas eleições? Que diferença há entre os fiéis que trocam ofertas na esperança de serem salvos e os pratrocinadores de Alfredinho que pagam para participar de um grupo seleto que terá o privilégio de falar diretamente com o mesmo e quem sabe até ser selecionado para aparecer em um dos vídeos?
Pergunto-me se a arrogância de Alfredinho é culpa dele ou dos seus patrocinadores que se sujeitam às suas condições para estar junto dele e comer as migalhas que caem de sua mesa. Será que os patrocinadores percebem que estão alimentando o ego de uma pessoa comum e a estão transformando num ídolo sem valor, um Santo do Pau Oco? Será que o próprio Alfredinho percebe que está baseando sua opinião sobre seu real valor na opinião de pessoas sem discernimento sobre o que é valor? Talvez estejam todos vivendo um grande engano, que, infelizmente, em nada contribui para uma sociedade sadia e justa. Hoje qualquer mané, de qualquer área pode se tornar o Alfredinho da vez. É a tal cultura pop que supervaloriza o lixo, haja vista os programas de sucesso da TV aberta.
Este vídeo do Cauê Moura, ilustra bem isso que estou criticando. Aliás, ele (ainda) não tem Patreon e faz uma excelente autocrítica.
Continuando o raciocínio, essa coisa de um canal de opiniões ser patrocinado gera também uma outra questão ética: perde-se a espontaneidade. Quem garante que o que a pessoa está falando é realmente o que ela pensa e ou pesquisou e não o que a pagaram para dizer? Afinal, ela está claramente dizendo que só fará vídeos por dinheiro, ela está claramente dizendo que só é “sua amiga” por causa do seu dinheiro.
Eu sugiro aos Alfredinhos que ao invés de venderem privilégios, que eles vendam produtos. Acho mais honesto e menos prepotente, E sugiro aos patrocinadores que estudem melhor quem são as pessoas que pedem ajuda financeira. Será que elas precisam mesmo? Será que elas merecem seu investimento? O projeto delas é relevante para a sociedade como um todo ou apenas para si mesmas? Quais garantias os patrocinadores têm de que elas cumprirão com o acordado?