Minha ilusão de Pai

Minha ilusão de pai

Dizem que alegria não dá Ibope e, de fato, quando a gente está feliz a necessidade de escrever diminui. Talvez por isso eu tenha me dedicado tão pouco ao blog. Mas sinto falta de praticar a escrita, então aproveitei o dia de hoje, que me deixa um pouco melancólica, para tentar.

A melancolia de hoje vem da certeza de que eu nunca vou saber, como filha, o que é ter um pai. Eu tenho um, mas ele não é nem de longe o pai que eu acho que merecia. Quando eu penso na existência dele, eu sinto um vazio imenso nessa parte da minha vida.

Não o julgue. Ele não é uma pessoa ruim (acho). É só mais uma pessoa perdida e sem preparo para a vida que no meio de várias decisões ruins teve uma filha com a qual ele nunca soube lidar.

Eu sou uma dessas pessoas que nasceram de relacionamentos que tinham tudo para dar errado e deram. Meus pais são separados desde que eu tinha uns dois anos de idade, segundo me contaram. Não sei muito sobre isso. Aliás meu passado é uma verdadeira incógnita para mim. Só sei que desde muito pequena eu tive uma enorme necessidade da atenção de meu pai. Na minha ilusão de criança eu o achava o máximo. Meu sonho era morar com ele. Na verdade ele era minha esperança de deixar a casa da minha mãe na qual eu não me sentia feliz. Aos cinco anos de idade eu fugi da casa da minha mãe e fui para a casa da minha avó paterna. Elas sempre moraram a menos de um quilômetro de distância e eu sempre fui muito esperta. Eu era uma criança muito triste e essa tristeza fez com que minha avó materna, com quem passei a viver depois disso, convencesse minha mãe de que seria melhor me entregar para meu pai. E assim foi. Por volta dos meus sete anos, meu pai foi finalmente me buscar na casa da minha vó materna para morar com ele. Foi o primeiro dia mais feliz da minha vida!

Ele morava com minha avó, mãe dele, nessa época. Minha avó automaticamente virou minha mãe. Depois de um tempo, meu pai foi morar em outro lugar e não me levou com ele. Mas nos víamos todos os dias. Ele fazia as refeições na cada da minha avó. E esse era nosso relacionamento. Ele chegava para o almoço e eu ia correndo abraçá-lo. Ele era gordo e minhas mãos não se tocavam ao redor de sua cintura e eu achava aquilo engraçado sei lá porquê.

Às vezes eu o assistia trabalhando no conserto de televisores. Ele era técnico em eletrônica. Uma vez eu mexi em uma placa e ele me deu um tapa na mão. Nem doeu, mas doeu na alma! Foi a única advertência da qual me lembro. Eu tento ter boas lembranças dessa época para tentar suplantar as lembranças negativas que tenho, mas infelizmente, essas lembranças positivas foram muito poucas. Houve a do pirulito grandão redondo que ele achava bonitinho me ver tão pequena com aquele pirulitão, houve o dia na praia e alguns presentes que ele me trouxe de uma viagem que fez a São Paulo. E só! O resto é só decepção mesmo.

Um dia, como toda criança, eu fui toda feliz mostrar a ele meu caderno de atividades. Eu estava recém alfabetizada. Eu caprichava na letra e era super organizada com meu material escolar (que eu amava de paixão!). Ele olhou e perguntou se aquela letra era minha mesmo ou se minha amiga tinha copiado para mim. Pôxa, foi como jogar um balde de água fria. De uma outra vez, eu coloquei um vestido marrom que eu havia herdado de uma prima distante; fui toda orgulhosa do meu look perguntar o que ele achava, ele disse que eu estava parecendo um Franciscano.

Eu sei que são exemplos bobos, mas eu era criança, eu precisava de aprovação e de reconhecimento. E essas micro decepções foram me perseguindo por toda a infância até a adolescência. Dos treze aos quinze eu comecei a perceber que não dava para viver de ilusões e que a vida em família nunca seria o que eu gostaria que fosse simplesmente porque não dependeria apenas de mim e eu não poderia obrigar ninguém a ver a vida pelos meus olhos. Daí eu desisti de tentar. Eu resolvi largar de mão e aceitar. Resignar. E este foi um marco importante na minha vida porque eu percebi que eu poderia viver sozinha e que nada de tão ruim assim aconteceria. Eu fui cuidar da minha vida e deixei todos da minha família para trás.

Mudei-me de casa algumas vezes. Estudei. Formei. Casei. Procriei. Estou feliz! Mas não nego que esse vácuo familiar me traz uma certa melancolia quando paro para pensar. Principalmente quando tenho de explicar para meu filho porque que a família da mamãe é diferente da família do papai. Porque que ele não conhece o avô materno, porque a mamãe não visita a família, etc.

Sabe, acho muito engraçado quando ouço essas discussões de evangélicos contra união homoafetiva e ideologia de gênero alegando que essas condutas irão destruir a família. O que realmente destrói relacionamentos é a falta de preparo para amar. Sou fruto de uma união hétero e nunca tive uma família “tradicional” por causa disso.

Ainda bem que a vida dá um jeito de continuar apesar de tanta bobagem…

Feliz Dia dos Pais!

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