Expurgo

Expurgo

Meu corpo inteiro sangra a dor de te perder. Depois que você partiu nada mais faz sentido e todas as possibilidades se desintegraram como asteroides em contato com a atmosfera terrestre. Para que acordar se não vou escutar você, nem ver você e nem tocar você. A vida não continua, não. Ela para no exato momento em que você se perde de si mesmo e não se reconhece em mais nada. Quisera eu não ter consciência disso e apenas estar feliz em viver. Não estou e nem quero estar e nem vou ficar.
Ainda consigo ver a beleza de uma flor ou o voo livre dos pássaros. Mas já não consigo mais sustentar esse estado de admiração por mais de um ou dois minutos. Não sou uma planta. Não posso voar. E não quero mais me projetar em coisas que não posso ser.
Já não sei mais quantos livros preciso ler ou escrever ou quantas séries preciso assistir, ou quantos “eu te amo” eu preciso ouvir para atingir a enésima parte do que eu sentia quando você existia. Nada é suficiente e nada basta. E você não vai voltar. Eu bem sei que não vai.
Já é tarde e as auroras de outrora já não têm o mesmo esplendor. Se eu fosse você também não volataria. Tudo aqui parece um misto de desejos inacabados com vários vir-a-ser que nunca o são. Uma droga de existência. Uma ilusão sem fim.
Dia desses me dei conta de que o mito de Sísifo fala sobre a própria vida. Acordamos, colocamos nossa pedra nas costas e caminhamos até a noite. Colocamos a pedra ao lado da cama, dormimos, geralmente pouco e mal, só para acordar, pegar a nossa pedra (ou cruz) e seguir para mais uma subida ao topo de um morro que nunca chega, e se chega, deixamos a pedra cair e saímos desesperados atrás dela porque já nem sabemos mais viver sem ela ou com ela. Tanto faz, nos acostumamos à rotina, acho que já nem questionamos mais sobre esse peso e o porquê o carregamos dia após dia.
Tá. Eu sei que é triste. E é pra ser mesmo. Eu preciso expurgar essa dor de alguma forma. E se quem canta, seus males espanta, quem escreve, seus males libera. E esse é só mais um texto de expurgo e não deve ser levado à sério, como nada nessa vida besta que a gente insiste em levar adiante.

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